Fontes e referências sobre religião e mitologia do Antigo Egito

Este detalhe, extraído doPapiro de Hunefer (c. 1275 a.C.), mostra o coração do escriba  Hunefer sendo pesado, na balança da deusa Maat, contra a pena da verdade, por Anúbis, o deus de cabeça de chacal. O deus Tot, de cabeça de íbis, escriba dos deuses, registra o resultado. Se seu coração tiver exatamente o mesmo peso da pena, Hunefer terá permissão para passar para a vida além-morte. Se não, será comido pelo quimérico Ammit, misto de crocodilo, leão e hipopótamo.

Este detalhe, extraído do Papiro de Hunefer (c. 1275 a.C.), mostra o coração do escriba Hunefer sendo pesado, na balança da deusa Maat, contra a pena da verdade, por Anúbis, o deus de cabeça de chacal. O deus Tot, de cabeça de íbis, escriba dos deuses, registra o resultado. Se seu coração tiver exatamente o mesmo peso da pena, Hunefer terá permissão para passar para a vida além-morte. Se não, será comido pelo quimérico Ammit, misto de crocodilo, leão e hipopótamo.

A religião egípcia não contava com um livro sagrado nem um conjunto de mandamentos, e o que dela sabemos nos é revelado por fragmentos e alusões indiretas recolhidos de fontes que raramente contêm relatos completos de mitos, tais como textos literários (em histórias que iam do humor à alegoria), registros dos feitos dos faraós e materiais religiosos como hinos, textos e fórmulas rituais e funerários e decoração de templos. Dessas fontes, as principais são:

1. “Livro das Pirâmides”: compilação de fórmulas mágicas e hinos escritos nas paredes dos corredores e câmaras funerárias das pirâmides de Saccara (dos faraós Unas, Teti, Pepi I, Merenré e Pepi II), a fim de proteger o faraó e garantir sua sobrevivência no Além — na época, a possibilidade de uma vida depois da morte era acessível apenas aos reis. Embora tenham sido escritos no tempo da V e VI Dinastias (~2350-2175 a.C.), sua composição provavelmente data de muito antes, ~3000 a.C., o que faz deles os mais antigos textos sacros conhecidos. [Tradução inglesa aqui]

2. “Livro dos Sarcófagos”: A partir da VII Dinastia houve uma “democratização” da possibilidade de ascender a uma vida no Além, que deixou de ser reservada apenas ao soberano e estendeu-se também aos nobres e altos funcionários, primeiro, para progressivamente generalizar-se para a população como um todo. A partir do Primeiro Período Intermediário, e sobretudo durante o Império Médio, os textos usados pelos reis foram modificados; ao mesmo tempo, surgiram novos textos, ainda com a função de proteger o defunto no Além e prover as suas necessidades. Os textos passaram a ser escritos na madeira do interior dos sarcófagos, daí o nome dessa compilação — que, contudo, inclui também inscrições realizadas em vasos canópicos, estelas, paredes dos túmulos e papiros e compreende mais de mil fórmulas conhecidas.

"Seu nome original em egípcio, transliterado rw nw prt m hrw, significava 'Livro de Sair para o Dia', ou 'Livro de Emergir Para a Luz' (...)"

“Seu nome original em egípcio, transliterado rw nw prt m hrw, significava ‘Livro de Sair para o Dia’, ou ‘Livro de Emergir Para a Luz’ (…)”

3. “Livro dos Mortos”: data do Império Novo e reúne textos funerários de períodos anteriores (o “Livro das Pirâmides” e o “Livro dos Sarcófagos”), mais trechos originais, elaborados ao longo de um período de mais de mil anos. Seu nome original em egípcio, transliterado rw nw prt m hrw, significava “Livro de Sair para o Dia”, ou “Livro de Emergir Para a Luz”; tal como seus antecessores, porém, corresponde a uma frouxa coletânea de feitiços, fórmulas mágicas, orações, hinos e litanias que eram escritos em rolos de papiro por escribas e adquiridos para serem depositados junto às múmias, no interior dos sarcófagos ou das câmaras mortuárias. Seu objetivo era ajudar o morto na viagem através do Duat, o Mundo Inferior, afastando eventuais perigos que este poderia encontrar em sua jornada.

Entre a XVII e a XXI Dinastias, utilizou-se a chamada “recensão tebana”, dividida em capítulos sem uma ordem determinada, embora a maioria deles possua título; a partir da XXVI Dinastia (século VII a.C.) e até o fim da era ptolemaica, fixou-se de forma definitiva a ordem dos capítulos, na chamada “recensão saíta”. Ainda assim, nunca houve uma versão única ou canônica desse material. Os papiros que sobreviveram contêm uma seleção variada de textos mágicos e religiosos, e, ao que tudo indica, alguns indivíduos encomendavam cópias personalizadas do Livro dos Mortos. Os vários exemplares diferem consideravelmente também em suas ilustrações, que em geral mostravam o falecido em sua jornada no Além. [Mais sobre o Livro dos Mortos, em inglês, aqui, e no documentário do History Channel ao fim desta postagem. Dica da Rosângela Esper – obrigada, Rô!]

Reprodução de um mural na tumba de Seti I (faraó entre 1291-1278 a.C.), representando "as quatro raças" conhecidas dos egípcios: líbios (a oeste), núbios (ao sul), sírios (a leste) e egípcios.

Reprodução de um mural na tumba de Seti I (faraó entre 1291-1278 a.C.), representando “as quatro raças” conhecidas dos egípcios: “Quatro grupos, cada grupo com quatro homens. Os primeiros são reth, os segundos são aamu, os terceiros são nehesu e os quartos são temehu. Os reth são egípcios; os aamu são os habitantes dos desertos do leste e do nordeste do Egito, os nehesu são as raças negras, e os temehu são os líbios de pele clara”. [Do Livro das Portas]

4. Livro das Portas: textos recolhidos em túmulos do Império Novo [em inglês aqui], que narram a passagem de uma alma recém-falecida para o outro mundo, correspondendo à jornada do sol através do submundo durante a noite. A alma deve atravessar uma série de “portas”, cada uma associada a uma deusa diferente, o que requer que o falecido reconheça o caráter específico daquela divindade.

O trecho mais conhecido do Livro das Portas apresenta as quatro raças da humanidade conhecidas dos egípcios (reth, os egípcios; aamu, os asiáticos/sírios; themehu, líbios; e nehesu, núbios) entrando, em procissão, no outro mundo, conforme discutido aqui.

As variações observadas entre essas diferentes fontes revelam as tensões e transformações das crenças egípcias ao longo dos séculos.

Outras fontes escritas são textos de autores gregos e romanos, como os relatos de Heródoto (século V a.C.) e Plutarco (século I d.C.).