Da tolerância ao Outro à celebração das diferenças: diálogo e alteridade em Direitos Humanos e Religião (parte 2 de 4)

"As pesadas saias usadas pelas mulheres de classe média em meados do século XIX eram desconfortáveis e cerceavam a liberdade de movimento. Nos anos 1850, as defensoras dos direitos das mulheres passaram a adotar trajes alternativos, compostos por calças largas sob uma saia mais curta, sendo amplamente ridicularizadas, como nesta caricatura, que lhes atribui acessórios e comportamentos masculinos. Aquelas que experimentavam tais trajes acabavam sendo alvo de tanta atenção indesejada que a experiência acabava sendo mais desagradável do que as restrições de movimento impostas pelas roupas tradicionais.

“As pesadas saias usadas pelas mulheres de classe média em meados do século XIX eram desconfortáveis e cerceavam seus movimentos. Nos anos 1850, as defensoras dos direitos das mulheres passaram a adotar trajes alternativos, compostos por calças largas sob uma saia mais curta, sendo amplamente ridicularizadas, como nesta caricatura, que lhes atribui acessórios e comportamentos masculinos. Aquelas que experimentavam tais trajes eram alvo de tanta atenção indesejada que a experiência acabava sendo mais desagradável do que as restrições de movimento impostas pelas roupas tradicionais.” (Via History Project)

Por Cristiana Serra | Continuação deste post

Estávamos discutindo (aqui) racismo e as violências e discriminações sofridas pelos negros por meio da imposição de uma história única de inferioridade e submissão que lhes é imposta e que os animaliza, reduzindo-os a um corpo muito apto para o trabalho físico e sexualizado e, portanto, tornando-os menos humanos do que o dos brancos. Porém, é imperativo que eu faça uma ressalva: minha capacidade de discorrer a esse respeito tem uma limitação evidente. Sendo branca, meu conhecimento sobre as violências sofridas pelos negros é necessariamente restrito, pelo motivo muito simples de que eu não as sinto na pele. Ou, para usar a expressão da palestina Rafeef Ziadah no poema que apresentei, meu corpo não é massacrado por elas.

Porém, nesta nossa cultura que estabelece um dualismo entre a intelectualização (superior) branca e a corporificação (inferior) negra, brancos e negros ocupam espaços assimétricos e sua autoridade enunciativa é desigual, quer dizer, as vozes dos negros são subalternas às dos brancos, assim como as vozes das mulheres (brancas e negras) são subalternas às dos homens (brancos e negros). Um branco, mesmo que não tenha adquirido nenhum conhecimento sobre identidade negra e racismo, e apesar de não ter uma experiência identitária negra, é sempre mais autorizado do que os negros a discorrer acerca de temas como identidade negra e racismo.

Por isso, o fato de eu ser uma pessoa branca, apresentada a vocês como uma profissional de formação universitária e posta no lugar de “palestrante” pelas autoridades competentes desta universidade, dirigindo-me a vocês com um discurso, verbal e gestual, a partir do qual vocês podem identificar uma certa posição na sociedade por conta das histórias que vocês sabem sobre a nossa sociedade, certamente contribui para que o que eu digo sobre racismo receba mais atenção e aprovação do que recebem diariamente enunciados de conteúdo semelhante ou idêntico vocalizados por um negro ou negra, engajados ou não no enfrentamento do racismo. Mais: o fato de eu ser branca certamente contribui para que o meu enunciado não receba críticas que receberia se fosse enunciado por um negro ou negra, engajados ou não no enfrentamento do racismo.

Há aqui um exercício a fazer no sentido da desconstrução das histórias que contamos sobre “brancos” e “negros”. Quem são @s negr@s? O que é um@ negr@? Quem é negr@? Não existe uma identidade negra homogênea e estável, fundada na natureza biológica, transcultural e transtemporal. Contudo, por mais que possamos questionar as histórias que criam o dualismo fundador dessas duas categorias, qualquer branc@ que participe de debates sobre o racismo e defenda os direitos d@s negr@s terá de adotar uma posição de abertura em relação ao Outro, mantendo-se na disponibilidade de ouvir sua voz. Não tem a obrigação de concordar, pois ninguém tem obrigação de concordar com nada, mas deve, no mínimo, estar dispost@ a ouvir, sempre.

(Esses quatro primeiros parágrafos são uma paráfrase de trechos deste texto de Fabiano Camilo.)

Dito isso, proponho-me a falar de uma história que é minha: a história da “mulher”. Mas quem são as mulheres? O que é uma mulher? Quem é mulher? Será que existe uma identidade feminina homogênea e estável, fundada na natureza biológica, que seja transcultural e transtemporal? Ou qualquer identidade definida será sempre uma história construída e repetida até ganhar força de uma realidade “natural” ou “normal”?

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