Mut: a “Mãe”

Mut com o abutre por coroa. Parede do Templo de Ramsés II, Abidos, Egito.

Mut com o abutre por coroa e o cetro was. Parede do Templo de Ramsés II, Abidos, Egito.

Na cosmogonia tebana, Amon tinha por consorte não Amaunet, mas Mut — palavra que significava “mãe” em egípcio e era, originalmente, um mero atributo das águas primordiais do cosmos em seu aspecto feminino, Naunet, de onde tudo emergira por partenogênese; com o tempo, porém, maternidade e águas cósmicas diferenciaram-se e as duas identidades se separaram. Assim, Mut ganhou contornos de uma deusa criadora, como a Grande Mãe que engendrara o Cosmos; alguns de seus títulos eram “Mãe do Mundo”, “Olho de Rá”, “Rainha das Deusas”, “Senhora dos Céus”, “Mãe dos Deuses”, “Aquela que Dá À Luz”, “A Não-Nascida de Ninguém”.

"O hieróglifo que representava seu nome e a palavra “mãe” era um abutre — a encarnação suprema da maternidade, visto que, para os egípcios, todas essas aves, por não apresentarem dimorfismo sexual, eram do sexo feminino e concebiam seus filhos fertilizadas pelo vento (Amon), outro conceito partenogênico."

O abutre, animal-símbolo de Mut

Mut, "mãe"

Mut, “mãe”

O hieróglifo que representava seu nome e a palavra “mãe” era um abutre — a encarnação suprema da maternidade, visto que, para os egípcios, todas essas aves, por não apresentarem dimorfismo sexual, eram do sexo feminino e concebiam seus filhos fertilizadas pelo vento (Amon), outro conceito partenogênico.

Como Grande Mãe, Mut foi se modificando, em seus vários aspectos, ao longo dos milhares de anos de duração da cultura egípcia. Tanto o Baixo quanto o Alto Egito contavam com suas próprias padroeiras divinas: respectivamente, Wadjet, a naja de bote armado, e Nekhbet, o abutre (incorporadas, ambas, à realeza como símbolos da unificação do Egito). Dispunham também de deusas guerreiras, sob a forma de leoas — Bastet e Sekhmet, respectivamente. À medida que Tebas adquiriu proeminência, Mut foi absorvendo essas deusas guerreiras como parte de seus atributos. Assim, tornou-se Mut-Wadjet-Bastet; Mut-Sekhmet-Bastet (Wadjet, depois de incorporar Bastet); assimilou também Menhit, outra deusa-leoa e esposa de seu filho adotivo, tornando-se Mut-Sekhmet-Bastet-Menhit; por fim, tornou-se Mut-Nekhbet.

Quando a autoridade de Tebas começou a cair, Amon foi assimilado a Rá e Mut foi assimilada a Hathor, a deusa-vaca, identificada como mãe de Hórus e esposa de Rá. Posteriormente, quando Rá assimilou Atum, a própria Enéade foi absorvido; assim, Mut-Hathor passou a ser identificada como Ísis (ou Ísis-Hathor, ou Mut-Ísis-Nekhbet), a mais importante figura feminina da Enéade e patrona da rainha. Com o êxito simbólico da Enéade, a tríade composta por Mut, Hathor e Ísis foi reduzida a Ísis, e sob essa forma derradeira seu culto resistiria até o século VII d.C., tendo se espalhado pela Grécia e Roma e chegado à Grã-Bretanha.

Mut: a "mãe"

Mut: a “mãe”

Em decorrência dessas assimilações, Mut é por vezes descrita como uma cobra, gato, vaca ou leoa, além de abutre. Na arte, Mut em geral era retratada como uma mulher com asas de abutre, segurando um ankh e portando a coroa unida do Alto e Baixo Egito, de vestido vermelho ou azul, com a pena da deusa Maat a seus pés. Antes do final do Novo Império quase todas as imagens de figuras femininas com a coroa dupla eram representações de Mut, identificada como “Senhora do Céu, Senhora de Todos os Deuses”.

Após a revolução de Akhenaton e a posterior restauração das crenças e práticas tradicionais, a ênfase na piedade pessoal desdobrou-se em uma maior confiança na proteção divina, e não humana, do indivíduo. Durante o reinado de Ramsés II, um devoto de Mut doou todos os seus bens para seu templo e gravou em seu túmulo:

“E ele [Kiki] encontrou Mut à frente dos deuses, Destino e Fortuna na mão; a Duração da Vida e o Sopro da Vida são regidos por ela (…) Não escolhi um protetor entre os homens. Não busquei para mim um protetor entre os grandes (…) Meu coração está repleto de minha senhora. Não temo ninguém. Atravesso as noites mergulhado no mais sereno dos sonos, porque tenho uma protetora.”

Fonte

Um comentário sobre “Mut: a “Mãe”

  1. Fernanda Durão disse:

    Cristiana Serra: Muitos parabéns por esta página! tirou-me muitas dúvidas, obrigada! Queria só saber p.f. qual era o mês do Festival de OPET, em que a imagem da deusa Mut era levada de barco pelo lago Ishru?
    Agradeço antecipadamente!
    Fernanda Durão
    Lisboa

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